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Chorar: um sinal de humanidade

Não segure a chuva da sua alma

Quando penso no comportamento da sociedade, acho bem curioso como algumas emoções são hipervalorizadas, enquanto outras, mesmo vindas da mesma fonte natural, acabam relegadas ao menosprezo. Uma das campeãs de audiência é, sem sombra de dúvidas, a alegria. Afinal, quem não deseja ser alegre, não é mesmo?

Quando vemos pessoas alegres normalmente nos sentimos mais inclinados a estabelecer uma comunicação com elas. Temos a sensação de que são mais simpáticas, receptivas, estimadas e, quem sabe, até mais bem-sucedidas. Em contrapartida, alguém mais sério é automaticamente associado a um sujeito taciturno, carrancudo e provavelmente infeliz com a própria vida. Não estou dizendo que não existam pessoas que talvez se encaixem nestas condições. No entanto, seres humanos são dotados de nuances muito mais profundas, impossibilitando que tal análise rasa possa ser usada como uma verdade absoluta e inquestionável.

Um bom argumento que refuta esta presumida universalidade é justamente avaliarmos com mais cuidado a própria alegria. Quantas vezes você já conheceu alguém que parecia esbanjar satisfação e felicidade, pois aparentemente cumpria com os pré-requisitos de uma “vida perfeita”, mas fora dos holofotes sociais se sentia vazio e sem rumo?

Quantas vezes já conheceu alguém que usava a alegria como uma inconsciente válvula de escape, acreditando piamente estar seguindo na direção certa para o seu bem-estar, porém estava apenas alimentando uma tóxica positividade que escondia suas angústias e ignorava suas feridas?

E você, quantas vezes sorriu quando na verdade gostaria de chorar?

Foto: DANNY G via Unsplash

Eu posso dizer com convicção que faço parte do time dos chorões e por muito tempo esta foi uma característica que me envergonhava tanto a ponto de eu tentar conter com todas as minhas forças as proibidas lágrimas que vez ou outra insistiam em se manifestar na frente dos outros.

Sim, como ocorre com muitas pessoas, eu também supunha que aquela arcaica crença popular sobre “chorar ser um sinal de fraqueza” era um fato. Logo, eu me achava fraca.

É como se uma regra não verbal se estabelecesse na sociedade cuja lógica seria mais ou menos assim:

“Crianças, amadureçam e não chorem caso tenham caído, caso estejam magoadas ou simplesmente por estarem com medo de ficar na escola enquanto sua família vai embora”

“Adultos, nem ousem pensar em chorar! Devem se mostrar sempre firmes perante seus filhos e não façam papel de ridículo ao chorar para seus pares ou vão ser vistos como vulneráveis e dignos de pena”

Talvez você não tenha ouvido algo tão rude como os exemplos acima, mas infelizmente acredito que alguns sim. A base principal deste pensamento tirânico é que, à medida que crescemos, temos a obrigação de permanecermos fortes e mostrar maturidade ante aos desafios da vida.

E como tal “demonstração de força” deve acontecer? Engolindo o choro!

Curiosamente, minha primeira lembrança com a frase “engole esse choro” não tem origem familiar, mas sim de uma situação ocorrida na pré-escola, o que prova como esta ideia distorcida está bem sedimentada e se espalha para além das fronteiras parentais.

O motivo do berreiro me fugiu da mente há anos, mas mantive na memória o grito que recebi e esta horrível combinação de três palavras que tanto mal já fez para o inconsciente coletivo.

Foto: Lucas Metz via Unsplash

Entretanto, nos dias de hoje eu adoraria confrontar esta crença e fazer uma simples pergunta:

A natureza é sábia. Nada existe sem uma razão e inúmeras pesquisas comprovam diariamente esta afirmação. Se faz calor, é porque tem sua necessidade. Quando chove, há também uma causa para seu surgimento.

Assim, por que o ato de chorar, um fenômeno igualmente natural, deveria ser sufocado e impedido de realizar sua função? Já imaginou o estrago que causaria no planeta se as chuvas fossem reprimidas? Portanto, se isto é verdade para um, por que não considerar que também o seja para o outro?

Tal qual a chuva de verão que chega no fim da tarde para refrescar as tórridas temperaturas da estação, o choro possui o importante dever de equilibrar o termômetro do nosso ambiente interno. Da mesma maneira que a chuva se forma porque o calor excessivo trouxe um acúmulo insustentável de água condensada nas nuvens que precisa ser liberada, podemos entender o choro por semelhante raciocínio.

Isto é, quando passamos por situações que resultam em um turbilhão emocional, nossas temperaturas internas se elevam a níveis perigosos se não forem harmonizadas, gerando nuvens em nossa mente que podem se tornar pesadas demais para sustentar e segurar.

Estou falando em termos figurativos, mas uma rápida pesquisa pode confirmar que “engolir o choro” não só causa desconfortos psicológicos, aquela desagradável sensação de nó na garganta, mas também problemas de físicos envolvendo sua pressão arterial, coração e até o sistema digestivo.

Será que vale mesmo a pena se ferir deste modo apenas para não ser visto como fraco?

Foto: Ani Kolleshi via Unsplash

E ainda digo mais, se o corpo reage de todas estas formas quando reprimimos o choro, quem está errado: ele ou nós por cortarmos o fluxo de um processo natural?

Para além da faceta "vergonhoso x não vergonhoso", é inevitável perceber como este julgamento acerca do choro abarca outras questões igualmente profundas.

Um caso clássico é a separação “mulheres choram porque são mais frágeis, enquanto homens de verdade se mantêm inabaláveis”. Uma velha máxima machista que vejo como problemática em vários aspectos, embora não seja possível adentrar aos seus meandros neste texto.

Apenas para não passar em branco, basta dizer que não se trata de fragilidade e homens não só podem como devem chorar porque, de novo, isto faz parte da constituição humana. Pessoalmente, acredito que quem retém forçadamente suas lágrimas está cometendo nada mais nada menos do que uma dolorosa mutilação emocional.

Quando eu era adolescente, uma música ficou muito famosa cujo refrão ecoava desagradavelmente em meus ouvidos dizendo: “garotas crescidas não choram”. Nada contra a cantora ou quem escreveu a canção, mas adivinha? Garotas crescidas choram, sim! Garotos crescidos também! Tal qual fazem os bebês, as crianças, os idosos ou qualquer um pertencente à espécie humana.

Até porque não há choro somente na tristeza. Ele pode também estar associado a outros momentos de grande emoção como ao se identificar com um personagem de uma história, ouvir uma música inspiradora ou na apresentação de escola do seu filho. Nestes casos, uma nova gama de sentimentos como empatia, plenitude ou orgulho tomam espaço em nosso íntimo. Sentimentos estes que têm o poder de nos transformar em seres humanos melhores. Assim sendo, como o choro, que por vezes acompanha estas sensações, pode ser visto como algo constrangedor e que deve ser escondido?

Mesmo quando ele está ligado a emoções normalmente não muito bem-vindas como tristeza ou raiva, não deveríamos contê-lo, mas sim acolhê-lo. Evidentemente, não se trata de uma defesa por viver em constante melancolia. A grande virada de chave é reconhecer e se perguntar o motivo pelo qual elas estão se manifestando. Ao fazer este exercício, não somente será possível se entender melhor, como também vivenciar outras emoções de maneira mais autêntica como a tão desejada alegria.

Foto: Vinicius “amnx” Amano via Unsplash

Por fim, devo admitir que este conselho também serve para mim. Hoje, um pouco mais cedo, estava assistindo a um filme e comecei a me emocionar logo nas primeiras cenas.

O pensamento imediato que me veio foi “que boba, já estou chorando”.

Pois é, eu sei que parece um tanto incoerente, haja vista que advoguei desde o começo do texto em favor do incompreendido choro. No entanto, meu objetivo com este breve relato é mostrar o quão profunda está enraizada esta associação entre chorar e indício de imaturidade. Portanto, combater este piloto automático é vital se de fato queremos alcançar uma melhor qualidade de vida.

Por isso, ao tomar consciência do que estava fazendo, falei em voz alta “não é boba coisa nenhuma. Quer chorar? Chore à vontade! Libere o que está dentro de você!”

E posso ser sincera? Foi um bálsamo me desprender daquelas lágrimas.

E você, o que acha de tentar fazer o mesmo na próxima vez que se sentir assim? Fique tranquilo, não é e nunca foi sinal de fraqueza.

Chorar, na verdade, é um sinal de humanidade.

Obs. Texto também publicado na plataforma Medium. Para ver mais, clique aqui.